Mas Alexandra bem sabe que, no fundo, não é preciso se avexar. O universo dos vinhos é feito de ícones e de lendas, com quatro, cinco dígitos, que a gente ouve falar a vida inteira e faz clara de exclamação só com a menção – mesmo sem nunca ter tomado um só golinho. Diante disso, um vinho de R$ 500 pode ser considerado um “ícone possível”, algo que bem merece ser falado.
Mas pobre de mim, porque quando eu digo “a gente”, estou falando de gente comum. Como eu e talvez você (e os próprios sommeliers, como a Alexandra, que mesmo quando bem experientes dificilmente vão beber todas as lendas em vida). Pois no mesmíssimo dia de hoje, a Mônica Bergamo listou, em sua coluna na Folha, os vinhos consumidos no aniversário da octagenária Hebe Camargo.
“Quinta do Vale Meão no copo dos 20 convidados que estão na sala, onde são também abertas garrafas de Chateau Petrus 1997 e de Chateau Haut Bergey 1994. E champanhe Veuve Clicquot. À vontade.”
Os nomes chamam a atenção de qualquer um minimamente iniciado no universo das bebidas. E todo mundo comentou a valer. Mas de que vinhos exatamente estamos falando?
Acho que o Veuve Clicquot dispensa maiores apresentações: a champanhe francesa bate ponto em festas abastadas com seu indefectível rótulo laranja. Com perlagem constante e finíssima, tem acidez acentuada e sabor mais marcante que muitos de seus pares – mas nada enjoativa. Em lojas, a garrafa é vendida a cerca de R$ 180 (os exemplares não-safrados), mas também é possível comprá-la por cerca de US$ 70 nos Free Shops (o que nos dias de hoje não necessariamente representa alguma economia para o bolso).
O Quinta do Vale Meão é um clássico português (ok, não tão clássico quanto o Pera Manca, que Cabral literalmente bebeu com os índios), de aroma poderoso e denso, com notas de fruta madura, chocolate e tostados. É feito com 60% da uva-símbolo de Portugal, a Touriga Nacional, e mais 20% de Touriga Franca, 15% de Tinta Roriz e 5% de Tinta Barroca. Foi apelidado de “Barca Nova” por ter as mesmas castas do lendário Barca Velha e figura em listas de melhores vinhos do mundo. A Mistral vende a garrafa por R$ 419,47. Uma releitura possível de um ícone impossível.
Com o Chateau Petrus 1997 o orçamento da festa de Hebe foi às alturas. Não foi à toa que a apresentadora brincou que os convidados teriam que vender jóias para ajudar a anfitriã com os custos. O vinho francês, de Pomerol, Bordeaux, está entre os mais caros do mundo – o de 1947 vi que foi vendido outro dia por US$ 17.500. Como se trata de um vinho de guarda, que não é de uma safra reconhecidamente “excepcional” (o Robert Parker deu nota 91), o 97 sai mais “em conta”: cerca de R$ 6 mil.
Em tempo: É um belo exemplo de que os preços podem ofuscar a importância da qualidade. Em uma breve pesquisa na Internet vi inúmeros links sobre as cifras que as garrafas dos Petrus podem atingir, mas pouquíssimos sobre sua real supremacia em aromas e sabor (imagino que pela quantidade ínfima de degustadores, mas mesmo assim...).
Da propriedade de Sylviane Garcin-Cathiard desde 1991, o Chateau Haut-Bergey 1994 é feito na apelação de Pessac-Leognan, que produz tanto tintos como brancos. O tinto (de corte bordalês) é elaborado em processo manual de colheita e envelhecido por 16 a 18 meses em barrica. Não encontrei um da safra à venda no Brasil, mas o 2002 está por (certamente inferiores) R$ 198 aqui. Bom para comprar e guardar por mais 13 anos e abrir em uma data especial (e, se bobear, ainda gerar o maior ti-ti-ti).
Sem dúvida uma lista de rótulos condizente com os dizeres de Hebe que estamparam a bandeja dada como lembrança para os convidados na festa: "Uns podem e não têm, outros têm e não podem. Nós temos e podemos. Viva a vida!".
7 comentários:
Belo texto Marina ! Isso nos mostra que é possível viver sem "beber" os mitos !
O bom enófilo/apreciador de vinhos é feliz em saber que bebe-se muito bem sem precisar gastar tanto.
Ou que bebe-se garrafas muito boas compradas nos EUA ou na Europa por menos da metade que custa por aqui.
Os grandes vinhos ou os "mitos" aqui no Brasil tornam-se inviáveis se aqui comprados.
Mas não nos esqueçamos do glamour que o assunto "vinho caríssimo" ostenta, onde há muita gente que não fica sem isso. E que também é uma ótima fonte de notícias, para alimentar diversas colunas/notinhas em jornais e revistas afins.
Um abraço !
PS: O sorvete de pistache da Stuzzi continua ótimo !
nossa, agora vai http://tinyurl.com/cym825
Henrique, é bem por aí. Quantas pessoas você conhece que já beberam os mitos? Um ou outro...o resto fica comentando, a coisa ganha status de "lenda urbana", aquela coisa que começa com "um amigo de um amigo meu...". Acho que devemos buscar nossos próprios grandes vinhos (que podem ser caros, mas ao menos possíveis) para as degustações inesquecíveis não ficarem apenas no plano da imaginação. Grande abraço!
Olá, não conhecia seu blog. Sou Alexandra Corvo. Veja, você diz que eu fiquei "com vergonha" de citar um vinho deste preço, mas gostaria de esclarecer. Não tenho vergonha alguma de temas que para outras pessoas pode parecer "vergonhoso". Falo de uma realidade que existe: o vinho caro existe, e não fui eu que o inventei. Para você ter uma idéia, o lote de Pera Manca chegou e em poucos dias todas as garrafas foram vendidas. Acho que nós temos de ter vergonha da situação da educação e da saúde no nosso país, onde as pessoas são analfabetas na 7a série e morrem nos corredores dos hospitais enquanto o presidente do país se esbalda em Romanée Conti, que beira os R$ 10,000,00 a garrafa. Veja que o Pera Manca, perto do que o Lula toma, é bem fichinha. E aí sim, eu fico com vergonha de citar. Estou até vermelha...abraço
passa lá no blog http://vejasaopaulo.abril.com.br/blogs/alexandracorvo/
Oi Alexandra! É claro que não foi você quem inventou os vinhos caros e não acho que você ou qualquer pessoa deva ter vegonha de falar sobre eles (e nem de beber, quando houver oportunidade). Veja que neste post eu mesma gastei uns tantos caracteres falando desses rótulos. Mas isso não nos impede de nos surpreender e por vezes nos avexar de falar os preços deles né? Fazendo uma comparação: quem é que nunca ficou meio "envergonhado" por ter comprado um sapato muito caro (mesmo sendo incrível), por querer muito uma roupa de marca ou mesmo por ter investido uma nota preta num menu estrelado? Comigo já aconteceu algumas vezes e acho normal ter esse sentimento num país com miséria e problemas (como alguns que você mencionou), mesmo quando meu direito de compra/gasto é mais que legítimo e mesmo quando sei que há gente que gasta bem mais em coisas semelhantes. Mas entendi seu ponto de vista e acho que você deixou clara a sua posição. Obrigada pelo comentário e um abraço! (passei agora no seu blog, que eu já conhecia, vou incluí-lo na minha lista de links).
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