terça-feira, 29 de março de 2011

Balanço Millesime: chefs espanhóis comentam experiência no Brasil e falam de suas impressões pós era El Buli

O texto abaixo era para o iG, mas, por problemas técnicos, não foi publicado. Aproveito para postar aqui.


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Foram três dias de eventos, com workshops, demonstrações, jantares estrelados e um clima de muita cordialidade. O Millesime SP, que aconteceu entre 22 e 24 de março no Terraço Daslu, promoveu o encontro da gastronomia da Espanha e do Brasil de forma eficiente e enxuta. 


Paco Roncero em momento dragão

Como se tratou de um evento de negócios e foram poucos os ingressos, o público foi restrito e por isso houve tranquilidade no credenciamento para workshops, degustações nas bancadas de demonstrações de produtos e especialidades – como na área destinada à demonstrar a cozinha da Galícia, na de cozinha espanhola tradicional e em um stand de cozinha experimental, chancelado pelo chef Paco Roncero, a grande estrela do evento.

O chef, à frente do madrilenho La Terraza del Casino e dono de duas estrelas no Guia Michelin, não foi só um nome-chamariz. Foi ele quem orquestrou os jantares elaborados a muitas mãos nos três restaurantes instalados no local – nas três equipes, gente como Alex Atala, José Barattino, Helena Rizzo e os conterrâneos Dani García (do restaurante Calima, em Málaga, com duas estrelas), Enrique Martínez (Maher, Navarra) e Pedro Morán (casa Gerardo, Astúrias, uma estrela).

Dono de uma personalidade cativante, Roncero também circulou pelos ambientes  e  comentou a satisfação com o encontro. “Muitos dos chefs [brasileiros] eu já conhecia, então o trabalho foi muito fácil e natural. A troca de experiências é sempre gratificante”, disse.  Ele e os demais chefs espanhóis fizeram pequenas incursões gastronômicas pela cidade nos intervalos do evento. Maní, Kinoshita, Rubayat, Mocotó e DOM foram alguns dos locais visitados pelos membros da comitiva.

Preferência nacional

Mais do que um prato ou um restaurante, foram os ingredientes locais que impressionaram os chefs. Defensor notório dos produtos nacionais, Alex Atala que levou ao Terraço Daslu a sua bandeira e preparou no jantar dois dos seis pratos: raia na manteiga de garrafa com tomilho-limão, mandioquinha defumada, brócolis e espuma de amendoim e um ravióli de limão de banana ouro com priprioca.

 “O palmito e a mandioquinha são os meus preferidos”, elegeu Roncero, que disse ser impossível achar pupunha na Europa e que mesmo a mandioquinha é muito rara ali. O galego Xosé Torres Callas, do Pepe Vieira, na Galícia, detentor de uma estrela no Michelin, também se apaixonou pelos tubérculos. “A mandioca e a mandioquinha me impressionaram. Também fiquei surpreso com a variedade de vegetais que estão disponíveis aqui”, disse.  

Pedro Morán, que elaborou o jantar com Atala e que esteve pela primeira vez no país, destacou o maracujá. Uma vez no Brasil, decidiu usar a fruta no vinagrete que acompanhava a sua espetada de camarão. “Com certeza vou aplicar em algum prato de verão do meu restaurante”, comentou.


Atala em seu workshop no evento

Sergio Torres, que junto com o irmão Javier toca o Dos Cielos em Barcelona, mas mantém o Eñe em são Paulo e no Rio, fez uma espécie de ponte entre os chefs espanhóis e os produtos locais. “Indiquei onde encontrar os ingredientes que eles precisaram para fazer seus pratos. No Eñe, hoje concebemos a ideia das tapas feitos com produtos brasileiros, inclusive todos os pescados e frutos do mar que não devem nada aos espanhóis”, conta ele, que confessa levar mandioquinha na mala toda vez que cruza o oceano.

Em seu workshop, Torres foi um exemplo da bem-sucedida fusão da técnica espanhola com ingredientes nacionais: demonstrou um mil-folhas de palmito pupunha e um tomate recheado com tartare de ostras frescas .


 Mil-folhas de pupunha dos irmãos Torres, do Eñe


O futuro da gastronomia espanhola

Muito se especula sobre o futuro da gastronomia espanhola, principalmente após o anúncio do fechamento do El Buli, templo máximo da cozinha molecular do chef Ferran Adriá. Paco Roncero, discípulo de Adriá, não acredita no fim da cozinha espanhola moderna e trouxe com ele a pirotecnia do estilo. Demonstrou uma caipirinha sólida feita com nitrogênio líquido e exaltou a qualidade cênica do aparato, servindo um apanhado de frutas liofilizadas e imersas no nitrogênio, que fizeram o público, literalmente, soltar fumaça pela boca e pelo nariz. “Mas é só mais um recurso como qualquer outro, como um refrigerador ou uma máquina de sorvete”, tentou desmitificar.

Terminou a demonstração com um espaguete de azeite de oliva que deve ser feito pelo próprio comensal, que, com uma seringa, injeta a maionese (turbinada com agentes da cozinha molecular) em um caldo de soba. É preciso reconhecer que além de impressionar visualmente, tudo estava saboroso.  

Questionado sobre os próximos passos da cozinha espanhola, apontou a evolução de outras províncias, menos notórias pela gastronomia moderna que o País Basco e a Catalunha. “Há gente nova desenvolvendo gastronomia moderna na Galícia, em Navarra e em Andaluzia. Ferran abriu portas para todas as províncias. A cozinha molecular não é algo que vai acabar tão cedo”, defendeu.

Conhecido por praticar uma cozinha técnica, mas simples, centrada no produto, o galego Xosé Torres Callas reconhece que o assunto é polêmico, mas acha que a cozinha molecular é mais uma ideia que uma realidade. “O El Buli nos fez pensar na forma como lidamos com as técnicas e como planejamos os pratos. Mas cada cozinheiro vai transpor este aprendizado ao seu estilo”, analisou. E reconheceu que há exageros na forma como o mundo vê a cozinha moderna espanhola: “A verdade é que nos restaurantes modernos espanhóis se cozinha de forma muito tradicional. Técnicas como o uso do nitrogênio acontecem com no máximo em 5% dos casos”, concluiu.


terça-feira, 22 de março de 2011

O ovo perfeito e caseiro

Depois de muito ler sobre receitas de ovos perfeitos - que dependiam de inúmeras máquinas incríveis e impossíveis ao cozinheiro acidental - sugeri para o iG Comida uma matéria sobre técnicas para fazer ovos simples de maneira perfeita. 


Eu já sabia que as aulas de ovos eram das mais traumáticas no curso de gastronomia, fato confirmado por Benny Novak nesta matéria da Luiza Fecarotta na Folha. É também sobre ovos um dos (poucos) bons trechos do filme "Julie & Julia", quando Julia Child aparece com centenas deles quebrados em casa, no desespero de aprimorar sua técnica.


Deve ter adiantado, porque uma das técnicas contempladas nesta matéria que me pareceu mais difícil foi a da omelete clássica - ao lado do ovo poché, esse enigma da culinária - e que Julia aparece em um vídeo fazendo com maestria - em questão de segundos. Só vendo para crer:







Segredos do ovo perfeito


Mexido, frito, cozido: dicas para o ovo de todo dia ficar muito mais saboroso. Mais: o jeito certo de fazer uma boa omelete



Marina Fuentes, especial para o iG São Paulo

“Não sabe nem fazer ovo frito”. Logo se vê que quem criou o dito popular pode até ter sido cozinheiro, mas não era um perfeccionista. E mais: foi injusto com o ovo, um ingrediente cheio de segredinhos, mas que por ser tão trivial nem sempre foi digno de atenção. Considerado “primeiro passo” pelo ditado e por muita gente, tem receita desprezada e é feito de qualquer maneira – com resultados, em geral, muito aquém dos possíveis. Fato é que, com uma matéria prima bem escolhida e alguma técnica, comer ovo frito – mexido, cozido ou pochê - é um deleite. 

Quando a fome no café da manhã está brava, ele é o grande salvador. Quando a “mistura” acabou, também. O artifício vale para qualquer pessoa – no Brasil, o ovo está entre as proteínas mais democráticas em termos de preço. Inclusive para a presidente Dilma Rousseff, que na última terça (1º de março) revelou certa intimidade com a frigideira ao demonstrar sua receita de omelete no programa matutino Mais Você, da Rede Globo. 

Sua receita sim, porque Dilma cozinhou com particularidades: refogou a cebola pouco antes de incorporá-la aos ovos integralmente, fritou em (muito) óleo e fez a omelete dobradinha com capricho, deixando a apresentadora Ana Maria Braga curiosa com o mise en scène. Foram poucos minutos de preparo, mas com pormenores suficientes para que a omelete da presidente se mostrasse diferente (melhor? pior? só Ana Maria pode saber) de muitas por aí, inclusive das clássicas. 

Pequenos detalhes são importantes em um prato de poucos ingredientes – ou um só, no caso do ovo frito. O mais importante deles é escolher o produto fresco. Ovos recentes apresentam clara mais firme, que não espalha na frigideira de forma desgovernada e que sustenta bem a gema na superfície. Para testar, agite levemente o ovo. Caso a gema se mova de maneira perceptível no interior da casca, sinal de que a clara não está mais tão firme. 

Outro ponto importantíssimo é o tempo de cozimento. Segundo a bíblia do Instituto Americano de Culinária, Profissional Chef (Editora Senac), não importa como os ovos são feitos: “quando são cozidos demais, a coagulação excessiva das proteínas força a água para fora e os ovos ficam ressecados.”

Mini documentário Benjamin Abrahão

E depois de algumas incursões à padaria Benjamin Abrahão, inclusive na madrugada - chegamos 5h30 achando a vida dura, e o padeiro me contou que acorda todo os dias às 3h50, isso sim é osso! - ficou pronto o primeiro Boa Vida em HD. No vídeo, um pequeno panorama do dia-a-dia da padaria e a incrível - e BEM trabalhosa - receita de pão com fermento natural.


O detalhe é que o fermento deles tem 25 anos - a mesma idade do Felipe Abrahão, neto do fundador e quem hoje toca a padaria.